A Conjuntura Latino Americana
Uma excelênte análise do economista Ranulfo Vidigal
Neste Primeiro de Maio de 2012, convivemos com a crise sistêmica do capitalismo mundial, que se arrasta desde 2008, e que também de certo modo vem devastando a capacidade do pensamento conservador de produzir uma ideologia baseada na esperança e no consenso. Já no nosso continente, depois de décadas de autoritarismo, crises cambiais e predominância das idéias baseadas nas doutrinas econômicas do chamado “Consenso de Washington”, a América Latina presencia certo grau de redução da desigualdade e da pobreza extrema, no âmbito de seus países. Recentemente, dois fenômenos ocorreram, quase simultaneamente, na região mudando parcialmente a fisionomia da sociedade, bem como reduzindo o GINI para a faixa dos 0,5 ponto percentual – taxa ainda alta na comparação internacional. O país com menor desigualdade é a Venezuela, seguida da Argentina. Mas são nações ainda muito distantes do padrão europeu e nórdico de igualdade de renda e oportunidades.
No Brasil, especificamente, apesar dos inegáveis esforços de reestruturação da máquina pública, as demandas de habitação, saneamento, segurança pública, saúde e educação ainda carecem de recursos adicionais para resolver problemas históricos acumulados em várias décadas de crescimento econômico, sem distribuição de renda.
O primeiro fenômeno explicativo para a nova realidade latino-americana foi de caráter político. A redemocratização e o fracasso das políticas sociais “focalizadas” e econômicas de corte liberal levaram a um longo período de estagnação econômica e tiveram seu fim parcial, a partir da escolha pelo voto nas urnas de líderes mais progressistas, com forte coloração social-democrata, neo-esquerdista e popular, ou populista para alguns.
Em paralelo, com o advento da crescente especialização do continente asiático como a “fábrica do mundo”, bem com o acelerado crescimento chinês tivemos um surto de valorização dos preços de nossas matérias primas (petróleo, carne, soja, cobre, minério de ferro e outras). Mais recentemente, o aprofundamento da crise ambiental, e seus desdobramentos sobre a mudança do clima valorizaram o papel da biodiversidade do continente, principalmente pela presença da floresta amazônica.
Estudos recentes sobre a distribuição da renda no continente indicam que a queda da desigualdade beneficiou tanto os mais pobres, quanto uma parcela da classe média. Os fatores que mais contribuíram para este fenômeno foram o incremento do gasto público em seguridade social, os programas de transferência de renda, a valorização do salário mínimo (de 300% na Argentina, de 100% no Uruguai e de 65% no Brasil), o crescimento econômico, baseado na melhor produtividade da mão de obra mais escolarizada, um forte excedente fiscal e finalmente o equilíbrio cambial oriundo da melhoria dos termos de troca da AL, em relação aos demais continentes do planeta.
Um longo caminho ainda resta, na medida em que o desemprego ainda revela taxas altas e o grau de formalização da força de trabalho não supera cinqüenta por cento. A constituição de um fundo público que propicie políticas universais de saúde, educação e proteção social é crucial para a manutenção da queda da desigualdade.
Finalmente não podemos esquecer o papel exercido pela América Latina na divisão internacional do trabalho de fornecer matérias primas e especializar-se em uma indústria de baixo valor agregado. A permanência deste quadro fragiliza as economias da região, diante do risco de crises recorrentes nas contas do Balanço de Pagamentos, oriundas de choques externos, com implicações sobre o comportamento cíclico da renda, do emprego e das finanças públicas.
Uma possível saída da crise global surgirá sob a forma de uma nova revolução tecnológica poupadora de matérias primas, baseada na robotização industrial e com geração de empregos que exigirão mais perícia e capacitação da força de trabalho.
Neste ambiente, a definição da agenda política dos dirigentes da região deveria priorizar a preocupação central para o futuro, ou seja, a formulação de políticas indutoras do fortalecimento das cadeias produtivas industriais de maior valor agregado, a diversificação econômica e a melhoria das habilidades da força de trabalho. Estes são pontos estratégicos, sem os quais dificilmente o Brasil, bem como o restante do continente conseguirá manter esta trajetória virtuosa de redução da pobreza, indefinidamente.
Ranulfo Vidigal – economista, mestre e doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da UFRJ.
Muito bom... aliás, quem sou eu p avaliar. O fato é que essa mudança de pensamento, em termos de abandono da escravidâo às políticas neoliberais do Consenso de Washington, vêm sendo marcadas por movimentos como os q ocorrem na Argentina, que afetam até a grade curricular das escolas de economia. Espero que a solidariedade, essa difícil de sobreviver num mundo individualista como o que o Capitalismo nos impôs, aos poucos venha tomando conta do cenário.
ResponderExcluirE ainda espero que as políticas de proteção social, no Brasil, ainda mais universalistas que nos nossos vizinhos, se sobreponham... tanto lá, quanto cá, pois estão fazendo de tudo para reduzi-las.
Olá Angeline, vejo que o problema não é o capitalismo e sim o comportamento dos atores e agentes econômicos na condução de suas ações. A opção de coordenação econômica pelo mercado não representa, necessariamente, morte aos mais fragilizados, já que o Estado tem um papel que precisa ser efetivado. O sistema democrático é assim, de um lado a preservação dos direitos (de propriedade, de produção e de consumo)e do outro lado, as instituições que devem delimitar ações perversas de concentração e exclusão social. O equilíbrio depende da composição do território e sua capacidade de envolvimento.
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