MUDANÇA DE CICLO
O economista Ranulfo Vidigal avalia a conjuntura econômica internacional.
"Os economistas das diversas
correntes sejam liberais, conservadores ou progressistas discordam sobre vários
pontos, quanto ao desdobramento do manejo da política econômica e seus reflexos
sobre a vida do cidadão comum, mas concordam em uma questão estratégica sobre a
economia brasileira: o comportamento das contas externas, representado pelo
Balanço em Transações Correntes e seu dequilíbrio será sempre uma forte
restrição que altera, de fato, os graus de liberdade e a capacidade dos policy-makers formularem as alternativas
mais adequadas para conjugar crescimento econômico, controle de preços e
distribuição de renda.
Persistindo a desaceleração do
comércio internacional, a retração dos fluxos de crédito e a redução acentuada
dos investimentos externos, a tendência é de que tenhamos uma crescente
deterioração dos termos de troca de nossos produtos no exterior. E assim sendo,
torna-se preocupante observar que de forma sistemática, nos anos recentes,
nossas contas externas estão apresentando um déficit em transações correntes
que cresce, e este ano deve atingir 2,4% do PIB estimado em 2,5 trilhões de
dólares. Este cenário preocupa, em decorrência da conjuntura externa
problemática e incerta.
Os líderes políticos do capitalismo
ocidental à beira da depressão na União Européia – onde se tentou a
constituição inédita da criação de uma moeda, sem a existência de um Estado
soberano, buscam instituir um regime fiscal disciplinar austero, para manter
orçamentos equilibrados e reduzir o tamanho do Walfare State, na suposição de
que agindo assim possam criar espaço para que os empreendedores aproveitem este
recuo do Estado e criem riqueza apostando em novos investimentos, novas plantas
e novos empregos. Trata-se de uma tentativa com alta probabilidade de
frustração.
Esta maré conservadora vai na
linha contrária à do New Deal, posto em prática nos anos trinta do século
passado, que tirou o mundo da crise, via intervenção estatal, regulamentação da
finança e promoção de programas de proteção social.
A gravidade da situação nos
países ricos põe em relevo o desempenho determinante dos Bancos Centrais, na
gestão macroeconômica injetando dinheiro para salvar os sistemas financeiros de
seus países. O FMI reconhece que a economia global está numa fase perigosa e o
Banco Central Europeu criou um programa de refinanciamento para emprestar
recursos para o combalido sistema financeiro do velho continente.
Na arquitetura atual do
capitalismo desregulado, as finanças públicas e o manejo da dívida pública são
componentes estratégicos das finanças globais, ou seja, não existe Banco
Central sem um robusto Tesouro Nacional. Contudo, a crise ao desacelerar a
demanda efetiva reduz, ao mesmo tempo, os recursos fiscais, além de aumentar os
encargos oriundos do forte desemprego. Neste ambiente, a lógica financeira
submete as decisões de investimento produtivo – aquele que gera empregos e
renda – ao imediatismo, face ao choque de desconfiança que impera.
Com a crise sistêmica no Primeiro
Mundo capitalista sobram mercadorias, imóveis, créditos podres e famílias
endividadas. As exigências dos acionistas e administradores da riqueza
financeira impõem às grandes empresas cortes de pessoal e geração de caixa
buscando lucros de curto prazo. O aprofundamento da recessão européia, associada
à semi-estagnação americana- incapaz de criar empregos suficientes em um ano
eleitoral decisivo – além da previsão de desaceleração suave dos BRICs deve
representar, pelo menos no curto prazo, um freio na demanda internacional por
nossas commodities agrícolas, energéticas e minerais. Como exemplo, a demanda
chinesa por aço despencou 8 por cento, nos últimos meses.
Este quadro de mudança de humor,
volatilidade e risco de ruptura, por si só, pode redundar na deterioração dos
termos de troca tanto do Brasil, quanto de toda América Latina. Por outro lado,
embora tenhamos um bom nível de reservas cambiais, nosso estoque não é formado como
resultado de uma expressiva performance na balança comercial, mas através de
haveres junto a credores internacionais revelando fragilidade.
Nas últimas semanas, diante da
fuga dos investidores para a liquidez e para a segurança,o dólar que vinha de
uma forte queda se re-valorizou, diante das principais moedas pelo mundo e o
título de 10 anos do Tesouro dos EUA pagam a irrisória taxa de 1,5 por cento ao
ano, abaixo da expectativa de inflação.
No Brasil, nossa taxa de câmbio
já se desvalorizou em cerca de 25 por cento, nível que por enquanto não assusta
em termos de inflação, em decorrência do ambiente de deflação no cenário internacional.
Isto deve permitir ao Banco Central trazer a taxa SELIC para níveis nominais e
reais mais compatíveis com os praticados nas nações de porte semelhante à
nossa.
O afrouxamento da política
monetária, em conjunto com os níveis salariais em leve crescimento deve
acelerar a velocidade cruzeiro da economia, no segundo semestre, embora não devam
permitir, estatisticamente, um desempenho do PIB muito superior a 2%, para uma
inflação em torno de 5% e uma taxa de câmbio acima de 2 reais.
Curiosamente, enquanto o Primeiro
Mundo apresenta taxas elevadas de desemprego, com a Organização Internacional
do Trabalho estimando em 60 milhões o número de desempregados pós - 2008, no
Brasil a população economicamente ativa cresce 1,3 por cento ao ano, mas a
demanda por mão de obra ainda está aquecida e faltam engenheiros e outras
profissões importantes, como é o caso da construção civil.
A crise internacional é uma ótima
oportunidade para estimularmos a produção de bens públicos essenciais, que não
custam os dólares que tendem a ficar escassos, como é o caso do saneamento
básico, da habitação popular, do planejamento dos transportes nos grandes
centros urbanos, dos serviços de saúde, educação e da inovação. Diante de um
mundo em processo acelerado de mutação, tais investimentos vão segurar o nível
de empregos e, em paralelo, aumentar a produtividade sistêmica de nossa
economia.
Os fatos históricos nos permitem
prever a tendência inexorável do capitalismo de superar as barreiras à
auto-expansão do capital, por meio da destruição
criativa dos arcabouços sociais, em que antes se baseava a expansão
econômica, bem como através das mudanças da organização técnica e produtiva.
Isto ocorre, através da atuação da mão visível do Estado provocando mudanças
adequadas das leis e das instituições e submetendo os governos a fortes
restrições sociais. A crise – um problema de fundo essencialmente político - instaurou
uma guerra fratricida entre o capital velho, que reluta em se desvalorizar e o
capital novo que ainda não encontrou formas de se impor. Pensadores importantes
identificaram na economia de mercado uma realidade com grande poder de
destruição e perceberam que seu avanço na busca da acumulação exige a
necessidade de forte regulação para ordenar as chamadas mercadorias fictícias:
terra (meio ambiente), trabalho (emprego) e dinheiro (setor financeiro)".
Ranulfo Vidigal – economista,
mestre e doutorando em políticas públicas, estratégias e desenvolvimento pelo
Instituto de Economia da UFRJ.
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