Em movimento desacelerado
THE ECONOMIST
10 Março 2015 | 02h 01
Um caso de corrupção alastrada envolvendo a gigante Petrobrás se apresenta como uma ameaça à implantação de um mal necessário, a reforma política
Em 8 de março, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, aproveitou um discurso televisionado sobre o Dia Internacional da Mulher para justificar a necessidade de apertar o cinto. Isso seria necessário para fechar um déficit orçamentário de 6,75%, evitar um doloroso rebaixamento na classificação de crédito e reativar uma economia enfraquecida. Num eco da campanha eleitoral do ano passado, a presidente atribuiu as mazelas econômicas do País diretamente à crise financeira global (e a uma seca recorde em 2014). O governo fez o máximo que pôde para enfrentar esses eventos adversos, a presidente explicou. "Agora precisamos dividir parte desse esforço entre todos os setores da sociedade."
Como fizera na eleição, a presidente não mencionou que a maioria dos grandes mercados emergentes, e muitos vizinhos latino-americanos, se saíram melhor que o Brasil. Mas, seja como for, muitos brasileiros não a estavam escutando, Tão logo a presidente apareceu no ar, várias cidades grandes reverberaram com o barulho de panelas sendo batidas. Numa exibição sem precedente de desagrado com seu governo, milhares foram às janelas e varandas com utensílios de cozinha. Em seu apartamento em São Paulo, este correspondente mal conseguiu ouvir o que a presidente estava dizendo por cima da barulheira, que durou quase todos os 15 minutos do pronunciamento pré-gravado.
Mais preocupante que o panelaço para Dilma, porém, foi a bomba-relógio detonada no começo do fim de semana. Em 6 de março, Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal, divulgou a lista de políticos que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, gostaria de ver investigados em conexão com um multibilionário esquema de propinas descoberto um ano atrás na Petrobrás, a gigante estatal de petróleo. Zavascki aprovou a maioria dos pedidos de Janot. Como o Supremo precisa concordar com qualquer investigação de qualquer um que goze de privilégios parlamentares, a decisão libera procuradores e a polícia para caçar pistas que apontem para parlamentares.
Será a maior investigação do gênero da história brasileira. Zavascki abriu 21 inquéritos sobre 50 indivíduos, entres os quais 22 deputados federais e 12 senadores. A título de comparação, o mensalão - um esquema que operou de 2003 até vir à luz em 2005 e em que o PT de Dilma arranjava o pagamento de propinas regulares a aliados parlamentares em troca de seus votos - começou com uma simples investigação. Aquele escândalo feriu o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o antecessor de Dilma, e colocou alguns dos principais luminares do PT atrás das grades.
O "petrolão" provavelmente será ainda mais danoso. Apesar de a própria presidente não estar sendo investigada, todos menos dois dos 49 suspeitos têm vínculos com a coalizão governante liderada pelo PT. A petição de Janot descreve uma "complexa organização criminosa" em que companhias construtoras que ganharam contratos com algumas divisões da Petrobrás desviaram cerca de 3% do valor dos contratos para subornar políticos. Alguns receberam propinas únicas, outros aparentemente recebiam pagamentos mensais de RS 30 mil a R$ 500 mil, a depender de sua influência.
A "lista de Janot" inclui nomes de peso: Humberto Costa, líder do PT no Senado; Gleisi Hoffmann, outra senadora do PT que foi chefe de gabinete de Rousseff em 2011-14; o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto. Antonio Palocci, que antecedeu Gleisi por um curto período de tempo na chefia de gabinete até renunciar em razão de um escândalo não relacionado em 2011 (e havia sido anteriormente ministro da Fazenda de Lula), será investigado por um tribunal inferior. Ele é suspeito de aceitar doações ilegais de campanha durante a eleição de 2010, quando coordenava a campanha de Dilma.
A oposição de centro-direita não saiu ilesa, tampouco. Antonio Anastasia, um influente senador e braço direito de Aécio Neves, o candidato presidencial derrotado do PSDB, também está na mira de Janot. Todos são suspeitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Todos negam qualquer irregularidade.
Como era esperado, Janot também visou a Eduardo Cunha e Renan Calheiros, os poderosos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente. Ambos são membros do PMDB, o principal aliado na coalizão do PT. Além de rejeitarem imediatamente como inverídicas as suspeitas do procurador, a dupla partiu para a ofensiva. Cunha tuitou que as petições de Janot eram "uma piada" e acusou Janot de postura tendenciosa ao colocar todos os citados na mesma lama. O deputado pareceu sugerir que isso teve a intenção de diluir o papel do PT no escândalo, num esforço para ganhar a simpatia de Rousseff, presumivelmente para que ela nomeie o procurador-geral para um segundo mandato quando o primeiro expirar em setembro. Calheiros chegou a sugerir que o Congresso devia montar o seu próprio inquérito no escritório do procurador.
Isso é fantasioso. O procurador-geral da República é constitucionalmente independente do Executivo, e Janot tem exercido ferozmente essa independência. Ele apontou políticos do círculo íntimo da presidente e, além da nomeação de Dilma, Janot precisa de aprovação do Congresso para permanecer em seu posto. Se essa fosse sua maior preocupação, ele poderia ter jogado leve com a liderança do Congresso.
Cunha e Calheiros sabem disso. A explosão provavelmente teve mais a ver com a crescente animosidade contra a presidente Dilma Rousseff, tanto de sua base insatisfeita como dos brasileiros em geral. Antes mesmo do panelaço, o índice de aprovação da presidente caíra pela metade desde o início de seu segundo mandato em janeiro; o PMDB não quer afundar com ela. A legenda também acalentou agravos sobre nomeações ministeriais (seus líderes achavam que receberiam mais).
O PMDB agora se sente marginalizado da tomada de decisões presidenciais. Por exemplo, o partido não foi consultado sobre a maioria dos cortes de gasto e altas de impostos que estão sendo promovidos pelo novo ministro da Fazenda para colocar a casa fiscal em ordem. Sob o fogo de Janot, o PMDB pedirá mais influência. Há conversas sobre uma nova nomeação do ministério responsável pela ligação com o Congresso. A presidente Dilma também poderá trazer Michel Temer, o presidente do partido e seu vice-presidente, para o pequeno círculo de seus confidentes íntimos do PT que determina a política.
Se for bem-sucedida, essa tática poderá esfriar os ânimos no Congresso no curto prazo. Mas dada a complexidade do esquema de corrupção e o número de pessoas sob investigação, pode demorar anos até alguém ser formalmente acusado, quanto mais condenado.
À medida que a polícia cavar mais fundo no caso, mais nomes de políticos possivelmente aflorarão. A investigação de Janot está de olho em divisões da Petrobrás, em que o PT e o PMDB são suspeitos de ter uma influência ainda maior.
Nada disso favorece as reformas econômicas. Os congressistas que tentam limpar seus nomes estarão temerosos de irritar ainda mais os eleitores ao apoiar medidas econômicas impopulares (eles já são objeto da ira dos batedores de panelas sobre a alegada propina).
A cada dia, porém, as reformas estão se tornando mais urgentes. O real caiu 5% ante o dólar na semana passada em meio à incerteza política que cercou a divulgação da "lista de Janot". A inflação atingiu 7,7% em fevereiro, o valor mais alto em uma década (impelida, em parte, pelas elevações há muito atrasadas nos preços regulados dos combustíveis e da eletricidade). O Banco Central elevou as taxas de juros na semana passada; em 12,75%, elas voltaram ao patamar em que estavam pouco depois de a presidente Dilma assumir seu primeiro mandato em 2011, e acima dos 7,25% em 2012-13. O desemprego está crescendo, ainda que de um nível inferior recorde de menos de 5%.
Dilma Rousseff faria bem em se acostumar com o som dos panelaços.
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