Os limites do crescimento
Por Martinho Santafé
A
necessidade de se construir mais um porto na região para atender à crescente
demanda das atividades de exploração na Bacia de Campos é absolutamente
inquestionável. Há cerca de 15 anos, entrevistei para O Debate o então gerente
geral da Petrobras em Macaé e este informou que o terminal portuário de
Imbetiba já se encontrava em estado de absoluta saturação. Obras pontuais e
paliativas foram realizadas ao longo deste período, sem solucionar o problema.
Por
outro lado, o argumento de apoiar a obra prevista para ser construída na área
urbana de Macaé sob a justificativa de gerar recursos que, teoricamente, possam
ser revertidos em benefício da população é, no mínimo, questionável, mesmo que
haja uma salutar preocupação com a saúde financeira do município, cuja folha de
pagamento já alcança a marca histórica de R$ 1 bilhão.
Estou
em Macaé desde 1981 e venho escutando justificativas como esta há mais de 30
anos. Só ainda não vi resultados consistentes, muito pelo contrário. Mas vi
muita gente ganhando dinheiro com esse discurso.
De
acordo com o EIA/Rima do empreendimento, a instalação do porto provocará “o
aumento da migração populacional, aumento da oferta de trabalho e a
intensificação do fluxo de veículos pesados, interferindo assim na mobilidade
urbana”. Diz mais: na parte ambiental, “a interferência na relação da fauna e
da flora terrestres e no ecossistema marinho será mitigada através da realização de 28
programas de controle”.
Ora,
o porto não vai surgir em uma área desabitada, mas em uma cidade já saturada e
um litoral coalhado de embarcações e de campanhas sísmicas, e que vêm sendo
impactados há mais de três décadas. Será que eles vão suportar a mais este
assédio do poder econômico? E será que os cardumes, a restinga de Jurubatiba e
remanescente dela, o Arquipélago de Santana, a Lagoa de Imboassica, os
manguezais do Rio Macaé serão devidamente “alertados” sobre esses “programas de
controle”? Na teoria, a prática é outra.
A
cidade está sendo impiedosamente asfixiada, com sua parte urbana consolidada se
expandindo para o interior, sobre a área rural, exigindo nivelamento de
terrenos que funcionavam como amortecedores de cheias e com ecossistemas
aquáticos ricos em vida. As conseqüências são a perda da biodiversidade e as
enchentes que trazem conseqüências cada vez mais dramáticas. Quem vive nas
áreas de risco sabe disso.
Quanto
a essas questões abordadas no EIA/Rima (ou externalidades, na linguagem
macroeconômica), o empreendedor esclarece que “esses aspectos contarão com a
dedicação e a parceria do governo municipal, um processo já planejado pela
empresa”.
Traduzindo
o “blá-blá-bla” corporativo para a linguagem popular: a empresa, que está
recebendo o terreno de graça (às custas dos contribuintes), poderá “ceder engenheiros
e outros consultores para assessorar a prefeitura nessas questões” – segundo
informou um dos diretores -, mas quem assumirá os custos dos mencionados
problemas sociais, urbanos e ambientais será a própria prefeitura que, como é
do conhecimento de todos, não emite cédulas de reais, de dólares nem de euros.
Portanto,
é a população que irá pagar pelas externalidades negativas desse grande
empreendimento. E certamente a folha de pagamento e outras despesas de custeio
da prefeitura de Macaé serão infladas de
forma avassaladora para atender toda essa demanda criada pelo empreendedorismo
privado.
É
mais um bom exemplo da fórmula imbatível do capitalismo brasileiro, cujos
protagonistas, em sua maioria, são ferrenhos defensores da “livre iniciativa”,
traduzida dessa forma: o financiamento é do BNDES, os lucros são das empresas e
os custos das externalidades negativas vão para o colo do poder público.
Onde
fica a resiliência?
Na
reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Commads) realizada quarta-feira (18) no Paço Municipal da prefeitura de Macaé,
comecei minha intervenção sugerindo que o Estudo e o Relatório de Impactos
Ambientais do empreendimento deveriam ir além das externalidades (positivas e negativas)
econômicas, sociais e ambientais das áreas do entorno da obra, mas também de
toda a cidade, avaliando, por exemplo, o grau de resiliência de Macaé em
relação a obras de grandes dimensões como aquela.
Lembrei que há 35 anos, a cidade recebeu uma obra com teor impactante similar (o terminal da Petrobras em Imbetiba, só que na época da ditadura, quando a opinião popular não mínima importância) e que os atores atuais deveriam olhar para o passado e aprender a “lição de casa”. No entanto, observando as reações otimistas da governança empresarial, dos representantes do poder público e, naturalmente, dos notórios especuladores imobiliários, podemos desconfiar que eles não entenderam o recado. Estamos todos parecendo nadar em um hipotético futuro de “mar de almirante”, ignorando o temporal que se avizinha.
Argumentei que quem cresce indefinidamente é o câncer, que faz tão mal ao nosso organismo, e que chega um momento em que uma cidade de porte médio como Macaé, com uma configuração geográfica altamente complexa e frágil e com uma história de degradação ambiental e social já conhecida em todo o mundo, deveria refletir sobre o modelo econômico mais conveniente e o que realmente interessa à sua população. E saber discernir os verdadeiros interesses dos grupos que não vivenciam o cotidiano conturbado da cidade, mas querem a todo o custo lucrar com as oportunidades nem sempre benéficas para a maioria.
Deveria
também refletir sobre as mazelas sociais, a mobilidade urbana à beira do caos,
a insegurança crescente, a degradação do patrimônio ambiental, a especulação
imobiliária, as enchentes e, principalmente, a sensação de impotência diante
dos interesses econômicos.
Essa
postura conceitualmente crítica sobre o chamado “desenvolvimento econômico”, que
tem sido reproduzida em nível global, ao contrário do que possa parecer, não
está sendo exercida pelos “ambientalistas de carteirinha”, mas por um número
crescente de economistas mais prestigiados do planeta, inclusive vários Prêmios
Nobel.
Macaé, apesar de ser acolhedora e bela em sua incrível diversidade, continua sofrendo um apagão de bom senso porque suas lideranças políticas e empresariais têm assumido há décadas o discurso do crescimento ilimitado e sem controle, como se a cidade tivesse a obrigação (e a devida resiliência) de servir indefinidamente a causa do petróleo.
Mas
é preciso ter limites e o que vemos cotidianamente em Macaé sinaliza que este
momento chegou.
A
vocação de uma cidade não seria oferecer qualidade de vida aos seus habitantes?
Não estaria na hora de dar uma pausa a esse “desenvolvimento econômico” que até
hoje poucos entenderam o que realmente significa, para repensar a cidade que
queremos?
Sinceramente, acho que esse discurso desenvolvimentista é ilusório, pois para cada R$ 1 milhão injetado na economia local pelas empresas, o poder público (com recursos dos cidadãos) tem que gastar pelo menos R$ 5 milhões para suprir demandas nas áreas de saúde, educação, obras, mobilidade urbana, habitação, saneamento, segurança e tantas outras mais. Ah, sim, e uma folha de pagamento em torno de R$ 1 bilhão e que tende a crescer. Os números não mentem!
Com
um estratosférico (para os padrões brasileiros) orçamento de R$ 2 bilhões,
Macaé não tem sido capaz de realizar o que centenas de municípios em todas as
regiões do país, com orçamentos infinitamente inferiores, estão conseguindo.
Mas apesar disso, o falso discurso do “desenvolvimento econômico” ainda
prevalece entre as elites, talvez porque elas estejam sempre dispostas a se
entender para usufruir qualquer cenário que se apresente, desde que ofereça
lucros compensadores.
Pessoas e instituições que continuam defendendo esse modelo ultrapassado e perigoso de crescimento infinito e sem controle, como solução mágica para tudo, estão agindo como aqueles que querem curar o alcoólatra servindo doses cada vez maiores de cachaça. O resultado é catastrófico!
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