Lições do improvável
JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO
Precisamos aprender muito!
Apesar de seus defeitos, Cingapura é raro exemplo de harmonia social.
Pensando na resistente
divisão racial dos EUA, fiquei intrigado com algumas lições de uma fonte
improvável: Cingapura. Preparando-me para uma viagem até lá na semana passada,
como convidado da Universidade Nacional de Cingapura, perguntei ao vice-premiê,
Tharman Shanmugaratnam, o que ele considerava o maior sucesso do país. Imaginei
que fosse falar de economia, já que o PIB per capita da cidade-Estado hoje
excede os de EUA, Japão e Hong Kong. Mas ele falou de harmonia social.
“Éramos uma nação
improvável”, disse Shanmugaratnam. A ilha coberta de pântanos, expulsa da
Malásia em 1965, tinha uma população poliglota de migrantes com inúmeras
religiões, culturas e crenças. “O interessante e único em Cingapura, mais do
que a economia, são nossas estratégias sociais. Nós respeitamos as diferenças
das pessoas, mas moldamos uma nação e tiramos proveito da diversidade”, ele
explicou numa entrevista.
Como Cingapura conseguiu?
Obrigando a diversidade étnica em todos seus bairros. Mais de 80% dos
cingapurianos vivem em moradias públicas, todas bem consideradas, algumas até
de luxo, Cada quarteirão, distrito e enclave tem cotas étnicas.
É isso que as pessoas
querem dizer quando falam de Cingapura como um “Estado babá” e o premiê
prontamente admite. “A política social em boa medida intrusiva de Cingapura se
revelou o mais importante”, diz ele. “Quando se garante que cada bairro seja
misto, as pessoas fazem as coisas do dia a dia juntas, se acostumam umas com as
outras e, o que é mais importante, seus filhos frequentam as mesmas escolas.
Quando os garotos crescem juntos, eles começam a compartilhar um futuro
juntos.”
Essa crença estava no cerne
de muitos esforços do governo federal americano nos anos 50 e 60 para acabar
com a segregação em escolas e integrar bairros – mediante ordens judiciais,
leis de habitação e ação executiva. Esses esforços foram em grande parte
abandonados nos anos 80, e, desde então, os dados mostram que os EUA
permaneceram notavelmente segregados.
Em Boston, por exemplo,
43,5% da população branca vive em áreas que têm pelo menos 90% de brancos e uma
renda média quatro vezes maior que a linha de pobreza, conforme revelaram
pesquisadores da Universidade de Minnesota. Em St. Louis, essa proporção da
população branca é de 54,5%. Essa segregação residencial se traduziu em acesso
desigual a segurança, saúde básica e, o crucial, escolaridade.
Apesar de a Suprema Corte
ter ordenado o fim da segregação escolar há 61 anos, as escolas se tornaram,
aliás, mais homogêneas nas duas últimas décadas. Uma pesquisa da ProPublica
revela que o número de escolas que eram menos de 1% brancas cresceu de 2.762 em
1988 para 6.727 em 2011.
Um estudo da Universidade
da Califórnia em Los Angeles (UCLA) no ano passado descreveu como uma sala de
aula se parece para o aluno branco típico dos EUA. Dos 30 alunos, 22 são
brancos, dois são negros, quatro latinos, um asiático e um “Outro”.
Essas revelações não
surpreenderiam os cingapurenses. “O funcionamento natural da sociedade
raramente conduz a comunidades diversificadas e integradas”, explicou
Shanmugaratnam. “Conduz mais provavelmente à desconfiança, à segregação e até à
intolerância.”
Cingapura é um caso
incomum. É uma pequena cidade-Estado. Ela tem seus críticos, que apontam para
um sistema quase autoritário que tolhe a liberdade de expressão e coloca sérios
obstáculos a partidos de oposição.
Cingapura pode fazer coisas
que democracias ocidentais não podem. Ela também teve seus próprios problemas
raciais.
Dito isso, acredito que
Cingapura é um exemplo de uma sociedade diversificada que conseguiu permanecer
unida e com a qual poderíamos aprender – Cingapura certamente também poderia
aprender algumas lições com as democracias ocidentais.
“Não se pode simplesmente
supor que o funcionamento natural do mercado ou da sociedade produzirá harmonia
social ou oportunidades iguais. Não produzirá”, disse Shanmugaratnam.
“O governo – um governo
eleito – tem um papel. E não se trata de discursos e símbolos. Trata-se de
mecanismos e programas específicos para alcançar os resultados que todos
buscamos.” Algo a se considerar no momento em que os EUA, na esteira da
tragédia na Carolina do Sul, discutem estandartes e símbolos. / TRADUÇÃO DE
CELSO PACIORNIK
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