Da grande moderação à longa recessão
"Análise do economista Ranulfo Vidigal"
Até meados da primeira década do atual
século tivemos no mundo, a combinação virtuosa de crescimento elevado e baixa
inflação, ou seja, predominou a estabilidade da demanda efetiva frente a
choques conjunturais – estes últimos, aliás, fenômenos naturais na economia
capitalista. Algumas explicações para tal fenômeno estariam na integração da
China à economia internacional ofertando manufaturas produzidas a baixos custos
salariais, bem como mudanças estruturais em favor dos serviços na composição da
geração da riqueza planetária e, finalmente, mercados financeiros sujeitos a
menores níveis de riscos, diante de políticas monetárias “ajustadas” ao ciclo
de negócios da economia privada.
Passados cinco anos do início da crise
deflagrada pela “bolha imobiliária americana”, as perspectivas da economia
internacional para um futuro próximo não são muito auspiciosas, mediante um
comércio de anêmica expansão, elevados níveis de desemprego na Europa,
crescente desigualdade de renda nos Estados Unidos, estoque de crédito se
reduzindo e confiança do empresariado fraca, diante dos baixos níveis de
atividade manufatureira e déficits fiscais e cambiais insolúveis em países de
grande porte na cena econômica mundial.
No Brasil, nossos líderes políticos nos
últimos dez anos aproveitaram a janela de oportunidade oferecida pela melhora
dos termos de troca com o exterior, fruto de uma forte demanda asiática por
alimentos, minérios e energia e promoveram um crescimento econômico, com
expansão do emprego de salários de base e inclusão social lastreada em
políticas públicas de transferência de renda. Um olhar mais atento, entretanto,
aos novos sinais emitidos pelo mercado de fatores de produção nacional, nos
permite vislumbrar escassez relativa de mão de obra, baixa na produtividade
industrial e sinais de conflito distributivo entre os custos salarias e os
níveis de lucros necessários para alavancar, via poupança privada, os novos
investimentos em setores importantes da atividade produtiva brasileira.
Outro preço importante de nossa economia –
a taxa de câmbio - ainda mantém-se apreciada e vem ajudando muito no controle
da inflação, o que por seu turno, mantém o poder de compra dos salários, mas
enfraquece o grau de competitividade de nossa indústria, muito pressionada pela
demanda que “vaza” para o exterior, através das importações. A olhos vistos
cresce sorrateiramente a restrição externa da economia brasileira, em função da
estagnação do comércio internacional, reversão dos termos de intercâmbio com
exterior (que parecem revelar fim de ciclo) e fragilidades crescentes das
contas externas de países vizinhos como a Argentina e a Venezuela. Trocando em
miúdos, em 2013, o déficit em transações correntes do Balanço de Pagamentos do
nosso país tangencia a faixa dos três por cento do PIB, como decorrência de
fatores tais como: queda forte das exportações, elevação das compras no
exterior, aluguel de máquinas e viagens internacionais.
Diante do paradigma ideológico de caráter
planetário atual que privilegia a riqueza na forma de renda financeira, os
juros médios do endividamento interno brasileiro sangram a capacidade de
investimento do setor público, na medida em que custam anualmente cinco por do
PIB, três vezes mais quando comparados internacionalmente. Desatar este nó e
dotar o país de um mercado de capitais mais robusto poderia
gerar a poupança líquida adicional para expandir setores importantes de nossa
atividade econômica. Nos dias atuais, lucros retidos, investimentos diretos
estrangeiros e os recursos do BNDES são responsáveis por mais de 90 por cento
das fontes de expansão do investimento na economia brasileira.
De certa maneira, já começa a ficar nítido
entre os analistas mais argutos que, as contradições associadas a uma
conjuntura internacional de difícil resolução, no curto prazo, tendem a reduzir
o ritmo da velocidade de transferir o ganho líquido da atividade produtiva aos
estratos de menor renda da sociedade brasileira, como acorreu nos anos mais
recentes, com inegável sucesso eleitoral. De modo tal que, para manter as
conquistas associadas à desconcentração da renda novas frentes de expansão
terão que surgir no capitalismo brasileiro.
Aparentemente, as áreas que se revelam
promissoras estariam associadas à nossa exuberante biodiversidade, nossa alta
produtividade agrícola, nosso mercado interno de massas e o nosso elevado
déficit de eficiência da nossa infraestrutura de saneamento básico, habitação
popular, estradas, ferrovias, rodovias, mobilidade urbana, portos e aeroportos.
Enfrentar esta tarefa com chances de
sucesso é desafiante e requer um poder público, planejador, atuando de modo
eficiente e matricial, uma carga de impostos menos regressiva, uma biodiversidade
melhor protegida, uma força de trabalho com maior nível de escolarização, uma
indústria de capital focada na inovação e competitiva internacionalmente, um
sistema de bem estar social promovedor de incremento da produtividade e redução
dos riscos laborais, juros reais compatíveis com o nível internacional e regras
do jogo que transmitam a confiança ao empresariado nacional e internacional.
Ranulfo Vidigal – mestre e doutorando em
políticas públicas, estratégias e desenvolvimento pelo Instituto de Economia da
UFRJ.
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