Em SP, Piketty diz que crescimento econômico não reduz desigualdade

Por Camilla Veras Mota | Valor
SÃO PAULO  -  
A redução da desigualdade não virá do crescimento econômico. Um sistema tributário progressivo - que incida sobre as grandes riquezas - e a igualdade de oportunidades de acesso à educação são mais decisivos para reverter a trajetória de aumento da concentração da renda observada entre os 20 países mais ricos desde os anos 1980. Foi com essas ideias que o economista francês Thomas Piketty começou nesta tarde a etapa brasileira da turnê mundial de seu “O Capital no Século XXI”.

Na plateia do auditório da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) os 310 lugares estavam preenchidos – 150 convidados, entre professores, economistas de bancos e consultorias, e muitos estudantes. Boa parte dos 800 inscritos não compareceu. Outras cinco salas com projetores, que não foram utilizadas, estavam reservadas para acomodar aqueles que não coubessem no auditório. 
Ainda assim, Piketty entrou na sala rodeado de pedidos de dedicatória e câmeras de telefone celular e, pouco antes do início de sua fala, foi deslocado para um lugar reservado para ser “preservado do assédio”.
Ao lado dos economistas André Lara Resende e Paulo Guedes, ele usou seus 45 minutos – em um inglês marcado pelo sotaque francês – para desenvolver os temas da obra ligados à dinâmica da renda do trabalho e a da renda do capital – que inclui bens, investimentos em propriedade, em ações – nas nações ricas, especialmente nos Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha. No caso específico do primeiro país, Piketty creditou o avanço expressivo da desigualdade nos últimos 30 anos, principalmente à dificuldade de acesso de grande parte da população ao ensino superior de qualidade.
O economista avaliou como “preocupante” o descompasso entre o ritmo de avanço da renda real das grandes riquezas – entre 6% e 7% ao ano em termos reais, de acordo com dados retirados de rankings da revista Forbes – e da renda do trabalho, entre 1% e 2% ao ano. Para ele, a desconcentração de renda não passa necessariamente pelo crescimento econômico. Políticas ativas de redução da desigualdade, que priorizem o acesso universal a uma educação de qualidade, um sistema tributário progressivo e o desenvolvimento do mercado de trabalho, conseguem desempenhar melhor esse papel, defendeu.
Em relação ao sistema tributário, Piketty lembrou que países como os Estados Unidos e Reino Unido taxam atualmente as grandes riquezas em patamares que variam entre 30% e 40%. Os níveis são bastante modestos se comparados àqueles que vigoraram entre os anos 1930 e 1980 – quando esses mesmos países experimentaram uma redução expressiva dos níveis de desigualdade de renda –, em torno de 80%. “E isso não destruiu o capitalismo americano ou britânico”, provocou.
O Brasil, afirmou, poderia ser “mais transparente” na divulgação das estatísticas relacionadas ao imposto de renda. A informalidade e a ausência de séries históricas mais longas ainda atrapalham o desenho preciso da realidade brasileira feita sobre as análises estatísticas, pontuou, mas muitas vezes os pesquisadores esbarram em dificuldades de acessar os dados oficiais. Com as informações disponíveis atualmente, observou, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra um nível de concentração e o imposto de renda, outro. “As pesquisas domiciliares são importantes, mas elas precisam ser complementares aos dados dos órgãos de fisco”, comentou.
Na saída, os estudantes elogiavam entre os corredores a simpatia do economista. Ao Valor, muitos ressaltaram o uso de poucos termos técnicos e a visão da economia como um objeto de transformação social. “Ele parece fazer parte dessa nova geração de economistas que também estão preocupados com o desenvolvimento social”, observou Matheus Santos, aluno do primeiro ano do curso economia.
“A ideia de aumentar o imposto para os mais ricos me chamou atenção, mas não sei o quanto isso é viável. Nós já pagamos muito no Brasil”, disse Natacha Soares Ribeiro, quinto ano de geografia, que resolveu assistir ao debate por sugestão da professora.
Era difícil encontrar alguém que tivesse lido o livro, já que a versão em português tem pouco mais de um mês, justificavam os alunos. A obra, no entanto, deve entrar na lista de leituras dos próximos meses, pelo menos para alguns. “Eu quero ler, mas não no curto prazo. Primeiro tenho que entender direitinho os temas do livro”, brincou Vítor Araújo Ibraim Hallack, que cursa o primeiro ano.
Vindo de Istambul, Piketty permanece em São Paulo até sexta-feira, quando dará uma segunda palestra, na Universidade Federal do ABC (UFABC). Em seguida retorna a Paris.


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