Investimento externo cresce, mas não anima PIB
19/12/2014 às 05h00
Valor Econômico
Na contramão do que aconteceu com os aportes feitos na economia local, que caíram 7,4% nos primeiros nove meses do ano, os investimentos externos diretos (IED) cresceram 5,6% em 2014, revertendo a ligeira queda vista no ano passado. Entre janeiro e setembro, o Brasil recebeu US$ 46,2 bilhões em capital produtivo do exterior - em doze meses, o valor já é de US$ 66,5 bilhões, mais do que em 2013 (US$ 64 bilhões), segundo dados do Banco Central. Isso, no entanto não parece estar sendo tão relevante para injetar ânimo na economia brasileira, que está estagnada.
Especialistas ouvidos pelo Valor cogitam alguns motivos para a diferença de ânimo entre investidores locais e estrangeiros e para o impacto modesto do IED. A visão de mais longo prazo e a necessidade dos estrangeiros de manter raízes no mercado brasileiro pode explicar em parte a sustentação dos valores em níveis altos. Os economistas ainda observam que parte significativa do IED destinado ao Brasil hoje se dá sob a forma de empréstimos intercompanhia - que elevaram sua participação de 20% para 30% do total - enquanto os investimentos para aquisição de participação no capital ou implementação de novas fábricas têm sido mais contidos.
Os empréstimos feitos entre a empresa matriz e sua filial no país pode ficar no caixa das empresas, sem serem desembolsados - e se converterem em investimentos - imediatamente. Além disso, uma parte do capital estrangeiro que ingressou no Brasil no último ano se deve aos pagamentos para o governo de outorgas de concessão de obras de infraestrutura para iniciativa privada, com investimentos que só se materializarão nos próximos anos.
Para Marcelo Allain, economista da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe), é precitado afirmar que o estrangeiro está mais otimista do que o empresário doméstico com a economia brasileira. O ingresso de IED para participação no capital, que respondia por 80% do capital produtivo que ingressava no Brasil em 2011 e 2012, agora representa 70% desses aportes, na média dos últimos dois anos. Enquanto isso, os empréstimos intercompanhia ganharam força e passaram de algo em torno de 20% para 30% do total de IED recebido pelo Brasil.
Para Allain, as multinacionais podem captar recursos fora do país, a taxas de juros menores, e enviar esse capital para suas filiais no Brasil, ainda que a intenção não seja de aplicar esse montante na atividade imediatamente. "Não é que o investimento estrangeiro direto esteja forte por causa de perspectivas muito favoráveis para a economia real, e sim em função desse diferencial de juros".
André Biancarelli, professor da Unicamp, vê outro desdobramento dos juros mais altos no Brasil do que no exterior. Enquanto a alta da Selic de 7,25% em março de 2013 para 11,75% ao fim deste ano é um empecilho para o empresário brasileiro, as empresas estrangeiras se financiam nos mercados externos, em que os juros estão próximos de zero. "Os juros atrapalham principalmente quem depende de dívida nacional. Os investimentos estrangeiros em geral captam empréstimos lá fora a taxas mais baixas, não chega a ser um problema que o afete", diz.
Allain, da Fipe, nota ainda que, no período mais recente, o ingresso de recursos produtivos no Brasil foi bastante influenciado pelos pagamentos de outorgas ao governo. Neste ano, por exemplo, o setor de telecomunicações recebeu US$ 4,8 bilhões de capital produtivo até setembro, contra apenas US$ 343 milhões ao longo de 2013. Parte desses recursos deve ser desembolsada para o pagamento do leilão de frequência 4G, realizado em setembro, que deve render aos cofres públicos R$ 5,85 bilhões. "Esse montante vai para o caixa da União. Embora ingresse no Brasil como capital produtivo, não gera novos investimentos em um primeiro momento, porque a formação de capital fixo não considera pagamento por direitos de exploração", diz o economista.
Neste ano, o ingresso de IED para telecomunicações, eletricidade e gás, transporte e outras obras de infraestrutura somou US$ 9,2 bilhões até setembro, 120% a mais do que em igual período do ano passado.
Allain avalia que esse fluxo não deve se manter no primeiro semestre do próximo ano, já que as concessões estão paradas, ao menos momentaneamente. Ainda assim, afirma, a desaceleração do ingresso de investimento estrangeiro direto no Brasil deve ser gradual, ainda mais se a nova equipe econômica conseguir ir em frente com os leilões de obras de infraestrutura para o setor privado. "Ainda precisamos chegar em um modelo para leilões de portos e ferrovias, por exemplo, mas os investidores externos têm interesse e essa pode ser uma fonte importante de recursos", diz.
"O investimento estrangeiro não vai cair drasticamente, porque o estrangeiro, quando chega aqui, não está olhando apenas para 2015 ou o ano seguinte", avalia Augusto Sales, sócio de estratégia da KPMG no Brasil. O investidor externo, diz, tem uma visão de longo prazo, com planejamento para a próxima década, e nesse horizonte "é muito difícil não ter uma perspectiva otimista para o país", avalia.
Um estudo recente feito pela KPMG com as intenções de investimento de empresas americanas em países emergentes mostrou que 35% delas possuem projetos em andamento no Brasil, enquanto 22% têm planos de trazer recursos para o país nos próximos 12 meses. Em ambos os casos, a intenção de investir no Brasil só não é maior do que na China.
Sales avalia que alguns elementos estruturais garantem ao Brasil papel de destaque no radar de empresas que tenham planos de se expandir internacionalmente nos próximos anos: a matriz energética menos poluente, com pouca dependência de carvão; a perspectiva de exploração do pré-sal; e o tamanho da população. "São 200 milhões de pessoas e o país passa por um processo de aumento de poder de compra histórico. Não se tem isso em qualquer lugar", disse.
Biancarelli, da Unicamp, acrescenta que, com a atividade econômica bastante fraca e a desvalorização da taxa de câmbio, os ativos brasileiros também ficaram mais atrativos para os estrangeiros. "O que se viu de dois anos para cá foi uma queda do valor de mercado das empresas brasileiras. Com o real mais fraco em relação ao dólar, esses ativos ficaram mais baratos", disse.
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