Retrospectiva Econômica 2014
Uma análise da economia regional
Publicado em 27/12/2014
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Paulo Renato Pinto Porto
Assim com o Brasil permanece com sua economia atrelada ao dólar, o Norte Fluminense tem igualmente sua realidade mantida "na dependência de grandes empreendimentos e investimentos salvacionistas" para ser a solução dos nossos problemas. A interpretação é do economista Alcimar Chagas Ribeiro, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que defende a criação de um projeto de integração em busca de novos paradigmas de desenvolvimento regional, que reduza a dependência dos royalties do petróleo e de investimentos externos, a partir da articulação coordenada entre o setor público, a universidade e a iniciativa privada. Nesta entrevista ao jornal O Diário, o economista traça um panorama em 2014 e projeta suas análises e expectativas para o próximo ano, que sinaliza bons indícios com a reação da economia dos Estados Unidos.
O Diário (OD) - A cada ano, as expectativas se renovam ou se mantêm, não há como fugir da clássica pergunta de balanço de fim de ano ao entrevistar um economista: como o senhor observa o processo de desenvolvimento regional e quais as suas perspectivas para 2015?
Alcimar Chagas (AC) - O que mais me inquieta é esse grau elevado de dependência da economia regional, a dependência dos royalties, da atividade petrolífera que agora incorpora também o setor portuário. Tradicionalmente, ainda continua muito forte na mente das pessoas a ideia de que o desenvolvimento da região está ligado à chegada de grandes empresas. Isso é uma coisa antiga, um fenômeno que vem desde o auge do setor sucroalcooleiro, com a estratégia do Governo Federal, a partir daquele brutal aumento do preço do petróleo na década de 70, com o Proalcool. Recebemos incentivo muito forte para produzir álcool, mas como não dependia apenas de nós, mas de uma estratégia de governo, quanto o preço do etanol caiu, o governo abandonou essa estratégia.
OD - Mas, por outro lado, há os que defendem este fator como algo positivo, esse período de transição da nossa realidade econômica que agora se incorpora à moderna economia global, saindo de uma atividade primária, com base na cana-de-açúcar, para a produção de outra commoditie como o petróleo, mas que permite a exploração de uma imensa cadeia produtiva mais sofisticada como o setor portuário e de logística.
AC - Sim, é isso que me preocupa. No Porto do Açu, há de oito a nove mil pessoas trabalhando, porém de 70% a 80% são de pessoas que vem de fora. É um dinheiro que não circula aqui. Você pode chegar em São João da Barra e constatar um grande número de trabalhadores em filas nos caixas eletrônicos enviando dinheiro para suas famílias em outros estados. É um dinheiro que não circula aqui. Mas como eu disse, isso vem de longe. Se olharmos na história, a nossa expectativa está sempre pautada na vinda de uma salvação, uma empresa ou um investimento externo. Nunca se pensou em buscar o desenvolvimento a partir de esforços internos. Nunca foi perguntado o seguinte: o que podemos fazer, nós mesmos, para fazermos provocar uma revolução no processo de desenvolvimento econômico de nossa região?
O Diário - O senhor então conclui que é preocupante estarmos sempre na dependência de fatores que não estão ao nosso alcance, como agora no preço do barril do petróleo que despencou...
AC - Sim, estamos sempre condicionados e dependentes de uma ação ou de um evento externo. Tradicionalmente, a região está sempre na dependência de ações externas para se desenvolver. Antes, era o Proálcool, depois, o boom do etanol adicionado à gasolina e que levaria o setor sucroalcooleiro ao seu auge dos últimos tempos, algo que não houve; depois, veio o petróleo; mais adiante, os setores ligados ao próprio petróleo, como a atividade portuária. Os grandes projetos trazem riqueza, mas não garantem que essa riqueza será absorvida pela grande maioria das pessoas. É isso que me traz preocupação.
OD - Então, o senhor considera que esses grandes projetos como o dos complexos do Açu e Farol/Barra do Furado não resultarão no crescimento e logo depois no desenvolvimento regional?
AC - Riqueza, sim. Mas a absorção da riqueza por parte da região depende de muitas coisas. Essas empresas que vêm para cá têm prazos para cumprir, trazem de fora profissionais que irão ocupar os melhores postos de trabalho de maior qualificação naquela atividade X.
OD - O desenvolvimento esbarra na questão da qualificação?
AC - Há em nossa região instituições que têm bons cursos, há alguns esforços do setor público, mas a absorção da riqueza pelo conjunto da população não é um processo automático, depende de muitas coisas. São empresas que comportam atividades sofisticadas, de alta tecnologia, onde existem diferentes especializações que não são encontradas aqui na mão de obra local.
OD - O empresário quer resolutividade no seu negócio, um trabalhador capaz de oferecer soluções, sem o problema da falta experiência anterior. Às vezes, prefere pagar mais caro por um trabalhador de fora, alugar um apartamento ou casa para ele morar aqui, mas que irá resolver o seu problema...
AC - Exatamente.
OD - O senhor tem produzido e organizado gráficos e informações dando conta que o nível de criação de emprego em São João da Barra é baixo após o advento do porto...
AC - São João da Barra, durante sete anos, gerou um saldo negativo de 180 empregos no total, entre admissões e demissões de trabalhadores. É algo muito pequeno, bastante pequeno mesmo, em relação às expectativas geradas com o porto. O comércio sanjoanense exibe uma fragilidade flagrante, não tem gerado emprego. Em Campos, onde há uma estrutura diferente, com destaque para o setor de serviços e a agricultura, foram gerados neste período cerca de 3.500 empregos; em Macaé, 4.600.
OD - A sua preocupação passa pelo não aproveitamento das melhores oportunidades pelo trabalhador nativo?
AC - Sim, e você pode observar que o setor que mais cresce em Campos é a construção civil, um setor primário. Aliás, com exceção de Macaé, em razão da indústria de petróleo, o trabalhador da nossa região tem uma média salarial muito baixa.
OD - A saída, em sua visão, continua a ser o aproveitamento de potencialidades no campo, como o senhor sempre defendeu...
AC - Os grandes empreendimentos vêm para cá, já estão entre nós. Nós não temos autonomia para fazer com que seja diferente. O que me preocupa é que não há iniciativas em larga escala para explorar nossas vocações, gerar mais informações para disseminar experiências, ideias e possibilidades. Nós somos importadores de alimentos, tudo vêm de fora. O poder público não resolve isso sozinho, como a universidade também não. Daí que é urgente formarmos a organização de uma cadeia produtiva no caminho do desenvolvimento sustentável para geração de renda e emprego.
OD - E qual a solução para essa cadeia produtiva sair do papel e funcionar?
AC - Através da articulação integrada desses três setores: o setor público, que tem recursos e a responsabilidade de indutor das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento; a universidade, que é detentora da pesquisa e do conhecimento; e a representação do setor empresarial, que tem o capital para investir, o acesso ao crédito e financiamento de projetos.
OD - Em relação ao setor público, o senhor tem analisado a administração do orçamento nos municípios da Bacia de Campos e destacado a gestão orçamentária de Campos, o percentual de investimentos na relação com o custeio. Qual a contribuição desta gestão orçamentária no processo de desenvolvimento local?
AC - É importante pelo que resulta na circulação de dinheiro e na geração de empregos. Veja bem, eu analiso os balanços desta gestão orçamentária de Campos com base nas informações da Secretaria do Tesouro Nacional. Portanto, são dados oficiais. Mas trata-se de uma análise quantitativa, eu não analiso a parte qualitativa. E em termos quantitativos, Campos tem uma boa gestão do Orçamento. Muito boa, atende muito bem o que define a legislação e, em alguns casos, até supera esses índices. Houve até um vacilo no resultado orçamentário com um déficit de R$ 8,5 milhões em outubro, talvez pelo atraso dos repasses dos royalties do petróleo, mas isso não invalida o conjunto da obra em seis ou sete anos de gestão. O percentual de 17,5% de investimentos em serviços e obras de infraestrutura é um índice fantástico, você vai encontrar isso talvez só em Belo Horizonte (MG). Campos também melhorou a arrecadação própria.
OD - E quais os percentuais desses esforços de melhoria na receita própria?
AC - Em 2008, os recursos arrecadados em Campos com a receita própria do município era de apenas 4,8% do Orçamento. Hoje, pulou para quase 10%. Esses esforços fiscais têm consequentemente contribuído para a redução da dependência dos royalties, que era 80% em 2008, e hoje é de 56%.
OD - Nós já tratamos da problemática regional? E a conjuntura nacional, como tem observado a crise nacional e as suas projeções para o próximo ano?
AC - Eu cheguei a mostrar no meu blog as dificuldades do crescimento mundial, mas vejo como um dado positivo a recuperação dos Estados Unidos, pelo papel importante da economia americana e seu peso grande no crescimento internacional. Se bem que ela também arrasta consigo a valorização cambial com a alta do dólar que é um problema sério para a economia de países endividados com o pagamento em moeda estrangeira. A Europa continua com um crescimento baixo, não há expectativa que avance muito em 2015, enquanto a Ásia tem se mantido com uma realidade diferenciada. A China, embora registre desaceleração, continua com bons índices de crescimento, o que reflete positivamente na economia brasileira e mundial, assim como a Índia a outros países asiáticos tem tido bom desempenho.
OD - Os reflexos da reação da economia nos Estados Unidos podem, dentro neste contexto, trazer melhores indicadores para o Brasil em 2015.
AC - Não acredito. Entendo que os países em desenvolvimento devem permanecer com dificuldades. O processo de recuperação é de médio a longo prazo, talvez só em 2017. O governo precisa implementar medidas que permitam melhorar o grau de confiança do empresariado para que ele possa investir e gerar mais dinamismo na economia. Também precisa reduzir o problema do déficit orçamentário e da política fiscal para daí atacar a questão dos índices de inflação que continua perto da meta, mas deve subir com a alta de preços administrados como energia elétrica e combustíveis. A equipe econômica anunciada por Dilma sinaliza tranquilidade ao mercado. O problema é se ela dará liberdade e autonomia para as medidas necessárias. Mas o déficit no balanço de pagamentos deve continuar com a perda de competitividade na indústria, algo que não se resolve de uma hora para outra. O mercado interno, a grande aposta dos últimos anos, já mostra sinais de saturação, onde está claro o elevado grau de endividamento das famílias. Por outro lado, a taxa de desemprego é baixa, algo que tem sido positivo, mas a metodologia que colhe esses índices se baseia no contingente de pessoas que não procuram emprego porque a informalidade tem crescido e muitos deles estão no mercado informal. Outros, buscam se preparar melhor para ir ao mercado de trabalho.
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