'O mundo não está tão ruim quanto o Brasil', afirma Arturo Porzecanski
"O mundo está colocando o polegar para
baixo ao pensar no Brasil e quem se eleger vai ter muito trabalho em mudar essa
percepção", diz o economista Arturo Porzecanski, 65, que há 37 anos estuda
a América Latina.
O uruguaio foi economista-chefe dos bancos J. P.
Morgan, ABN-Amro e Ing-Barings por quase três décadas e desde 2005 dirige o
Programa de Relações Econômicas Internacionais da American University.
Ele acha que o Brasil "andou para
trás" em inflação e protecionismo, considera que o BNDES "não tem
nada a ver com a escolha de campeões nacionais da Coreia" e que o país
precisa "desesperadamente achar novos mercados". "O Brasil está
jogando na terceira divisão", diz.
Porzecanski diz que o sucesso do Bolsa Família
só será verificado "quando menos gente precisar dele, o número de famílias
atendidas precisaria cair". Ele recebeu a Folha em seu escritório, em Washington.
Confira abaixo a íntegra da entrevista, em
tópicos:
BRASIL DESAPRENDEU
O Brasil desaprendeu a fazer mudanças e está
andando para trás. O Brasil diz gostar de gradualismo, mas fez mudanças muito
rápidas no passado. O Plano Real foi economia vudú, ortodoxa e heterodoxa ao
mesmo tempo, e em dois anos controlou a inflação. O Bolsa Família e os planos
sociais do Lula ficaram em pé já nos primeiros dois anos. A abertura econômica
de um país que tinha um mercado fechado até para computadores foi bem rápida.
Quem vencer as eleições vai ter que reaprender a fazer mudanças rápidas.
ANDANDO PARA TRÁS
Em várias coisas, a Dilma fez o Brasil andar
para trás. Em 1999, Armínio tinha um plano ambicioso de metas e muito
rapidamente respondeu à crise cambial. O Lula em meses dissipou a dúvida que
havia sobre ele e deu luz verde para o Henrique Meirelles.
Com Dilma, o Banco Central andou para trás. O BC
foi incentivado a fechar os olhos para a inflação, bem acima da meta, dá para
passar um ônibus por essa meta agora. A Petrobras perde muito dinheiro para
mascarar a inflação real. As contas públicas pioraram e a qualidade dos dados
com manipulação contábil. Sem falar no abuso do BNDES.
BNDES E COREIA
Acho engraçado compararem a política industrial
do BNDES com a escolha de campeões nacionais pela Coreia do Sul. A Coreia
ofereceu subsídios para as empresas que produziam carros, eletrônicos e afins
que conseguissem exportar para os mercados americano e europeu. Ela não
substituiu importações, ela promoveu exportadores. Mas havia metas e prazos. O
governo ajuda a empresa por "x anos" e depois ela tem que devolver
essa ajuda.
Essa política hoje seria impossível, pois a OMC
[Organização Mundial do Comércio] proíbe subsídios para exportações. Esse
modelo é de outra época. Mas não dá para comparar o BNDES com a Coreia. Quais
foram as metas para o Eike Batista? E para os frigoríficos?
INTERVENCIONISMOS
O Obama subvencionou empresas de energia solar,
sem muito sucesso, mas era algo para a economia do século 21. O BNDES
subvencionou a economia do século 19.
Existem intervencionismos e intervencionismos. O
Tesouro americano emprestou para a indústria automobilística de Detroit e para
a seguradora AIG quando ninguém queria emprestar, e recebeu de volta com muitos
juros. O que o BNDES vai receber do Eike? É como se o FMI [Fundo Monetário
Internacional] emprestasse para países quebrados como Argentina e Venezuela sem
nenhuma contrapartida.
MUNDO SEM ESTAGNAÇÃO
A maioria dos países do mundo anda crescendo
menos do que já cresceu. Fato. Não é mais bonança. Mas o Brasil desacelerou bem
mais que os demais. O mundo não está tão ruim quanto o Brasil. O mundo não está
em recessão, nem estagnado.
CÁLCULO DO BOLSA FAMÍLIA
México, Argentina, Brasil fizeram seus Bolsas
Família. No início, uma marca de sucesso é ampliar as famílias cobertas. Mas o
verdadeiro sucesso, que não vejo no modelo brasileiro, é quando o número de
famílias que precisam dessa ajuda cair de fato. Se elas acham emprego, se têm
salários melhores, esse número deveria cair. Isso não está acontecendo.
FED EM 2015
O Fed [o Banco Central americano] está fazendo o
seu trabalho, sem ser brusco. Em maio de 2013, Ben Bernanke [ex-presidente do
Fed] disse que os estímulos seriam reduzidos. O roteiro está sendo seguido pela
Janet Yellen [atual presidente] paulatinamente. A inflação está abaixo da meta
e os juros vão subir um pouco. Não acho que o Brasil será afetado bruscamente.
80% do destino do Brasil está no Brasil, não está nos EUA ou na China.
MERCOSUL E 3ª DIVISÃO
O Brasil precisa correr para achar novos
mercados. A aposta na OMC com o Azevedo ainda não rendeu. O regionalismo e o
Mercosul não rendem mais. A negociação com a União Europeia é brecada pela
Argentina. Até quando o Brasil vai esperar pela Argentina? Não quer negociar
com o império, com os EUA? Ok, mas procura outros. China, Índia e outros
emergentes até menores têm suas agendas e querem achar mais mercados. Não dá
para entrar para jogar só se for ganhar. Parece que o Brasil tem medo e se
contenta ficar jogando na terceira divisão.
FOLHA DE SÃO PAULO
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