Emprego e produtividade colocam EUA e Brasil em pontas opostas no pós-crise

VALOR ECONÔMICO
Por Juliana Elias | De São Paulo
A necessidade de se elevar a produtividade brasileira, apontada nos debates entre economistas hoje - inclusive entre os assessores dos candidatos à eleição presidencial - como uma agenda prioritária para os próximos anos, pode ser o elemento-chave para explicar a peculiaridade do atual quadro de recessão com pleno emprego observado no Brasil.
Na opinião de especialistas ouvidos pelo Valor, a baixa produtividade está no centro das causas do que alguns chamaram de "jobful recession", algo como "recessão com emprego" em inglês. Seria o oposto do que, nos Estados Unidos, se convencionou chamar de "jobless recovery": uma recuperação da economia sem geração de vagas, fenômeno que se tornou recorrente nas crises mais recentes do país.
A ideia é que, nos momentos de recessão, forçados a cortar custos, os empresários americanos partem para os investimentos em inovação e tecnologia, muito mais eficientes hoje do que em décadas passadas. Com isso, mesmo que depois se recuperem os volumes de vendas anteriores, passam a precisar de bem menos gente para entregá-los.
Os recentes sinais de reação do mercado de trabalho americano, como o dado divulgado na semana passada de que a economia americana gerou 248 mil postos de trabalho em setembro, acima do previsto por alguns economistas, mostram, no entanto, que só agora a combinação de crescimento com alta produtividade está sendo capaz de permitir desacoplar o termo "jobless" da fase de recuperação.
Os novos postos derrubaram a taxa de desemprego a 5,9% em setembro. É o melhor número desde 2009, quando a recessão oficialmente acabou, mas ainda acima dos 4,9% registrados em 2007, logo antes dela começar e nível que os Estados Unidos há cinco anos penam para conseguir retomar.
"O mercado de trabalho americano não possui lei quase nenhuma e dá uma rapidez enorme em demitir e admitir. Já no Brasil a demissão tem um custo enorme e o empresário pensa duas vezes antes", explica o economista Jorge Jatobá, sócio da consultoria Ceplan e secretário do Ministério do Trabalho durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Férias remuneradas, plano de saúde e licença-maternidade são alguns dos benefícios que as empresas americanas são desobrigadas de conceder. "Mas há outro fator mais sistêmico, que é a nossa perda de produtividade. Isso significa que para produzir a mesma quantidade precisamos de muito mais gente, o que acomoda o emprego em patamares que normalmente não seriam necessários", diz Jatobá.
"A primeira grande consequência de uma recessão é o desemprego, e é por isso que é difícil imaginar com clareza que o momento atual do Brasil tenha sido uma", diz Paulo Picchetti, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e um dos membros do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), comissão associada à FGV destinada a pesquisar e datar os momentos de recessão no país. Foi de Picchetti a sugestão para o novo nome - "eu falo que o Brasil estaria criando um termo novo, uma 'jobful recession', uma recessão com o desemprego no menor nível da serie histórica".
O Produto Interno Bruto (PIB), como manda o manual, caiu: foi uma queda de 0,2% no primeiro trimestre seguida de outra de 0,6% no segundo. Além disso, há diversos fatores que coincidem com o desempenho dos piores momentos de um país, caso da crise na indústria, dos investimentos virtualmente paralisados e também da confiança de empresários e de consumidores em níveis baixíssimos.
Apesar disso, contrariando as teorias, não há desemprego. Pelo contrário, em agosto ele marcou 5%, a menor taxa no mês de toda a série, iniciada em 2002. Poderia ser apenas um dos vários indicadores do comportamento econômico fugindo do padrão, o que não é de todo incomum. O único detalhe é que o emprego está no centro do que divide a economia que está bem da economia que está mal.
Não só níveis baixos de tecnologia e inovação estão na conta da baixa produtividade que salva o emprego, mas também a infraestrutura contraproducente e o baixo nível de escolaridade e especialização dos trabalhadores. A economista Eliana Cardoso, ex-assessora especial do Banco Mundial para a América Latina, destaca também que não é só uma questão de se perder produtividade na indústria, mas o simples fato de a indústria perder participação faz a economia como um todo ser menos produtiva.
"É na indústria que está o grosso da produtividade e da inovação", diz. "Boa parte dos empregos no entanto veio dos outros setores, dos serviços e do comércio, em que o valor que o trabalhador acrescenta ao produto é menor", afirma Eliana.
É essa troca nos pesos da balança uma das explicações para a fotografia final, mas pouco precisa, de um país sem desemprego. "O fortalecimento do consumo fez com que os serviços absorvessem a mão de obra", diz Picchetti, da FGV. É o que explica, em parte, a indústria já vir demitindo e a taxa de desemprego se mexer muito pouco. "A indústria já está em recessão. São três anos demitindo, quatro trimestres de quedas e de quedas fortes. Nela não falta mais nada."
Nos Estados Unidos, a primeira recessão com traços de uma "jobless recovery" foi a de 1990 e 1991, período da Guerra do Golfo: o fim dela foi identificado em março de 1991, mês em que o PIB americano atingiu a mínima. Dali para frente voltaria a crescer, mas as empresas continuaram demitindo por mais um ano e meio depois disso. Para se ter uma ideia, na recessão de 1973, após o choque do petróleo, o PIB voltou a crescer em março de 1975 - em maio o desemprego já passou a cair.
O Codace, o comitê de ciclos econômicos de que Picchetti faz parte, foi criado em 2009 com a intenção de que o Brasil tivesse um órgão especializado e independente para datar com mais precisão e profundidade os momentos em que a economia brasileira passou por uma recessão. Segue os moldes do Centro Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês), que desde os anos 1970 data o início e a duração dos momentos de expansão e de recessão da economia americana.
"Uma recessão é um declínio significativo na atividade espalhado por toda a economia, por mais do que alguns meses, e visível na produção industrial, no emprego, na renda real e nas vendas do comércio varejista e atacadista", diz a definição oficial do NBER, que faz questão de frisar o "significativo" e "espalhado" que adjetivam o "declínio". Um dos objetivos do órgão é justamente combater a visão simplista de que para uma recessão bastam dois trimestres seguidos de queda - na recessão americana de 2001, por exemplo, foram duas quedas intercaladas por uma alta.
"A recessão clássica nunca é expressa em uma única variável, ela é uma queda generalizada e por isso é tão difícil avaliar a recessão técnica que tivemos", disse Picchetti. De 1980 até aqui, o Codace reconheceu oito momentos em que isso aconteceu, mas nenhum deles, garante o especialista, foi tão intrigante quanto o atual - "a discussão era se havia começado no primeiro ou no segundo trimestre. As outras foram muito fáceis."


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